30 de novembro de 2014
Amazônia (poema de Manoel de Andrade)
Antes da pátria, eras úmida promessa…
semente primordial
árvore mãe
planta continental
arvoredo, floresta, selva palpitante.
Hoje canto tua vertical beleza
o mogno gigantesco, sua estatura secular
seu colossal diâmetro
canto essa caudalosa geografia
essa multidão de vidas que sustentas
canto o itinerário sazonal da seiva
e essa infinita linfa…
parto de infinitas criaturas.
Canto teu verde planetário
e no teu imenso respirar,
canto o nosso pão de oxigênio…
Canto a ti… Amazônia
bosque inquietante da esperança…
e eis porque denuncio esse machado cruel sobre teu peito…
essa fruta milenar, dia a dia devorada.
Antes da grande nação…já eras tu…
a nação primogênita
filha dos filhos da mata.
A infância da pátria foste tu,
sílaba aborígine, idioma tupi
cerâmica, canoa e tacape
ritual, dança e canção.
Foste tu a raiz, sangue ameríndio
o parto da nacionalidade.
Hoje canto os povos da floresta
e o desencanto dessa memória esquecida.
Falo de sobreviventes
de tribos desgarradas
de aldeias tristes
de sonhos desmatados
de segredos e tradições pirateadas
das águas lavadas na bateia do mercúrio.
Amazônia….Amazônia…
quem deterá o teu martírio
uma vida tão diversa num adverso viver…
Falo dos teus hectares de sangue
da lâmina cruel, da pira ardente
dessa cartilha de serras, rifles e archotes
dessa morte plural
na diversidade de aves e primatas
roedores, felinos e serpentes.
Falo de uma terra de cepos
de raízes degoladas
de caules retalhados
de castanheiras preservadas… a morrer de solidão.
Falo da linha negra do fogo
e desse cemitério de troncos defumados.
Falo da floresta sitiada
por uma legião de máquinas assassinas
falo de estradas e picadas clandestinas
de súbitas clareiras
desse assalto interminável… lento e invisível.
Falo de grileiros, posseiros, garimpeiros, bandoleiros
e de terras demarcadas sob a mira das pistolas.
Falo de dragas e crateras
das águas manchadas e dos rios estropiados.
Falo da vida degradada pelas pastagens da ambição.
Amazônia…Amazônia…
com que verde vestiremos nosso mapa
acuados pelo apetite voraz das motosserras,
por uma fronteira incinerante que avança insaciável.
Acuados pelo gatilho mercenário da violência
e pelo estigma oficial da impunidade.
Passo a passo e esse avizinhar-se do colapso…
quantos fóruns se abrirão para “resolver” essa tragédia!?
Crimes silenciados na cumplicidade regional dos gabinetes…
gritos sem eco nas vozes da omissão…
acenos sem resposta nos protocolos renegados…
e o poder dos maiorais contra tudo o que respira.
Deixaste ali teu heróico testemunho
teu seringal sagrado
teu rosto solidário.
Contigo… caiu o tronco ensangüentado…
Tua alma…teu nome…Chico Mendes,
sobrevivem em deslumbrante hiléia,
na invisível bandeira das espécies
e na memória da pátria agradecida.
Depois chegaste tu…Dorothy Stang…
estrangeira, franzina e destemida
desafiando víboras e chacais
e defendendo a floresta com a paz do nazareno.
Em Anapu ergueram teu calvário
mas hoje ergo aqui, no jardim humilde da poesia,
a tua estátua de missionária imperecível.
Amazônia… Amazônia…
Quantos ainda cairão para que sobrevivas?
Com que vozes cantaremos a esperança
enlutados pela ausência dos que ousaram manter suas denúncias?
quem te fará justiça?
quem suspenderá esse cerco que te aperta lentamente?
como conter teu holocausto
e a agonia silenciosa das espécies?
E eis porque canto o desencanto da árvore secular que tomba
e essa sinistra paisagem de troncos decepados…
E falo da imensa copa baqueada…
seus frutos, seus aromas
remédios e resinas,
seus colares e adereços…
Falo de samambaias e orquídeas
de cipós e de bromélias agonizantes.
De garras, patas e plumagens…
de berços destroçados, de ninhos mortos
e dessa maternidade em lágrimas.
Falo do patrimônio ambiental da pátria
da grilagem descarada
de negociatas e falsos documentos.
Falo da destruição diária e sorrateira
de pastagens criminosas
e de uma ingrata agricultura.
Falo da natureza usada e abandonada
de uma terra arrasada
e de um deserto verde que cresce…dia a dia.
Eis tu…e eu te chamo legião…
o mundo te observa e nos pergunta: por quê???
e todos nos perguntamos: até quando???
os que irão nascer perguntarão quem foste tu e por que tanto desamor…
os céus vigiam teus passos,
rastreiam teus crimes
e a tua sombra imensa que avança para o norte…
Sabem de ti o rei e os seus vassalos…
conhecem teus látegos de aço
tua tocha incendiária
teus cúmplices e tuas vítimas
tuas mãos manchadas com o sangue da floresta…
Somos os que te acusamos
nessas sementes queimando
nessas pétalas feridas
nesses pássaros sem ninho…
Somos os que assistimos, impotentes, esse indigesto banquete,
tua dieta vegetariana
e a euforia com que brindas o lucro e o bom negócio
nessa taça transbordante de cinzas, de sangue e de lágrimas…
Amazônia… Amazônia… sem lei, sem testemunhas…
e essa oficial improvidência…
Nada que te ampare…
nada..
Talvez um vento reverso
uma chuva perene que apague essa queimada.
Talvez um decreto impossível
uma lei implacável
a mão de Deus, quem sabe…
a espada da justiça pra sangrar os que te sangram…
algo que feche essa ferida
algo que estanque essa agonia.
Quem sabe, o refluxo imperdoável do teu próprio martírio…
uma malária cruel…
algo que empeste essa ganância…
antes… bem antes
que essa segunda geração de abutres choque também os seus filhotes.
(AMAZÔNIA poema de Manoel de Andrade; por Equipe Palavreiros da Hora)
Eu sou a floresta...
"Eu sou a floresta,
Eu sou antiga.
Eu entesouro o cervo,
Eu entesouro a corça.
Eu te abrigo da tempestade,
Eu te abrigo da neve.
Eu resisto ao gelo,
Eu mantenho a nascente.
Eu nutro a terra,
Eu sempre estou aqui.
Eu construo sua casa,
Eu acendo sua lareira.
Por isso vocês, pessoas,
Me consideram querida".
-Inscrição encontrada em uma casa na floresta do século XVII, na Baixa Saxônia, Alemanha
(tradução por Wallace William de Sousa)
14 de novembro de 2014
Dicas práticas para cuidar da Terra (por Leonardo Boff).
"Dois princípios são fundamentais na superação da atual crise pela qual passa o planeta Terra:
A sustentabilidade e o cuidado. A sustentabilidade, assentada na razão analítica, tem a ver com tudo o que é necessário para garantir a vida e sua reprodução para as atuais e as futuras gerações.
O cuidado, fundado na razão sensível e cordial,refere-se aos comportamentos e às relações para com as pessoas e para com a natureza, marcadas pelo respeito à alteridade, pela amorosidade, pela cooperação, pela responsabilidade e pela renúncia a toda espécie de agressividade.
Articulando estes dois princípios, poderemos devolver equilíbrio e vitalidade à Terra.Oferecemos algumas sugestões práticas no sentido de cada um fazer a sua revolução molecular (Guatarri): aquela que começa pela própria pessoa, base para a grande virada de todo o sistema. Eis algumas:
- Alimente sempre a convicção e a esperança de que outra relação para com a Terra é possível, mais em harmonia com seus ciclos e respeitando os seus limites.
- Acredite que a crise ecológica não precisa se transformar numa tragédia, mas numa oportunidade de mudança para um outro tipo de sociedade mais respeitadora e includente.
- Dê centralidade ao coração, à sensibilidade, ao afeto, à compaixão e ao amor, pois são estas dimensões que nos mobilizam para salvar a Mãe Terra e seus ecossistemas.
- Reconheça que a Terra é viva, mas finita, semelhante a uma nave espacial, com recursos escassos e limitados.
- Resgate o princípio da re-ligação: todos os seres, especialmente, os vivos, são interdependentes, e por isso têm um destino comum. Devem conviver fraternalmente entre si.
- Valorize a biodiversidade e cada ser vivo ou inerte, pois tem valor em si mesmo independentemente do uso humano.
- Reconheça as virtualidades contidas no pequeno e no que vem de baixo, pois aí podem estar contidas soluções globais.
- Quando não encontrar uma solução, confie na imaginação criativa, pois ela esconde em si respostas surpreendentes.
-Tome a sério o fato de que para os problemas da Terra não há apenas uma solução, mas muitas que devem surgir do diálogo, das trocas e das complementaridades entre todos.
- Exercite o pensamento lateral, quer dizer, coloque-se no lugar do outro e tente ver com os olhos dele. Assim verá dimensões diferentes e complementares da realidade.
- Respeite as diferenças culturais (cultura camponesa, urbana, negra, indígena, masculina, feminina etc.), pois todas elas mostram formas diversas de ser humanos.
- Supere o pensamento único do saber dominante e valorize os saberes cotidianos, do povo, dos indígenas e dos camponeses porque corroboram na busca de soluções globais.
- Cobre que as práticas científicas sejam submetidas a critérios éticos, a fim de que as conquistas beneficiem mais à vida e à humanidade que ao mercado e ao lucro.
- Não deixe de valorizar a contribuição das mulheres, porque são portadoras naturais da lógica do complexidade e são mais sensíveis a tudo o que tem a ver com a vida.
- Faça um opção consciente por uma vida de simplicidade. que se contrapõe ao consumismo.
- Pode-se viver melhor com menos, dando mais importância ao ser que ao ter e ao parecer.
- Cultive os valores intangíveis, quer dizer, aqueles bens relacionados à espiritualidade, à gratuidade, à solidariedade, à cooperação e à beleza como os encontros pessoais, as trocas de experiências, o cultivo das artes especialmente da música.
Mais que parte do problema, considere-se parte de sua solução."
Vídeo "Ecologia integral"- Leonardo Boff
https://www.youtube.com/
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